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terça-feira, 23 de março de 2010

B. B. King no Borbon Street Music Club

Neste Grande texto de Jotabê Medeiros , do Estado de São Paulo é relatado exatamente o que se passou no Show , Parabens ao Jotabê por sua Descrição perfeita.

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Aos 84 anos, BB King realizou nesta ultima quinta-feira, 18/03, no Bourbon Street, o primeiro de três shows programados para a cidade de São Paulo.

Parecia que todo mundo queria um pedaço de B.B. King, era como a multidão frente aos destroços do Muro de Berlim. Engalfinhavam-se por uma palheta, um broche, um pin, um autógrafo, uma foto abraçado a ele. Mesmo após tocar por uma hora e meia, o velho bluesman não se fazia de rogado: atendia todo mundo, deixava-se beijar pelas garotas e até pelos marmanjos, conversava com todos.

O problema é que King não é uma ruína: está esbanjando energia e entusiasmo aos 84 anos. Mas é compreensível a romaria em direção a ele: a sua infalível técnica de "esticar" os solos de guitarra indefinidamente, fazendo com que a gente preencha o silêncio no espaço com sua música, parece irrepetível, incomparável (e faz com que a experiência de ouvi-lo pareça "exclusiva" - cada um que ouve sua música é levado a pensar que o ouve de forma única, secreta).

Às 22h30, sob ruidoso aplauso, B.B. King subiu ao palco do Bourbon Street Music Club, após o tradicional aquecimento de sua banda. "Gostaria de dedicar estas duas primeiras canções àqueles que estão apaixonados, aqueles que têm alguém", disse o velho showman, e atacou I Need You So. Logo a seguir, apresentou sua banda, na qual o mais jovem tem 54 anos (o baixista Reginald Richards), e em que pontificam os notáveis saxofonistas Melvin Jackson e Walter Riley King (este, seu sobrinho) e o figuraça trompetista James "Boogaloo" Bolden.

O show todo é pontuado por seu estilo de falso bufão, com declarações "picantes" sobre Viagra e Cialis, beijos roubados ao próprio microfone e as caretas de falso pudor. "Eu tenho um péssimo hábito: eu amo mulher bonita", diz. Ou então: "Nunca deixe um outro homem dançar algo tão lento com sua garota", aconselha. "Temos mania de ter muitos médicos nos Estados Unidos. Tenho dois médicos. Um deles é o Viagra."

"Não tenho nada contra o rap, mas não gosto quando eles dizem coisas ruins a respeito das mulheres", vai confessando, para então anunciar que dedicará a próxima canção a todas as garotas da plateia. E completa, provocando os olhares de estupefação ensaiada de seus músicos: "Nunca vi uma mulher feia. Todas as mulheres são bonitas." Depois, faz todo mundo cantar com You"re My Sunshine, pastor de uma igreja de êxtase e euforia.

Potência vocal. Curioso observar que King não perdeu potência vocal com a idade. É artífice de um canto feito de explosões, de puro vigor, força natural, e ungido por uma ligação simbiótica com seu instrumento, a guitarra. O guitarrista brinca, mas vai enfileirando e conduzindo sua banda, com canções como Nobody Loves Me, Key to the Highway, I"m a Bluesman (sua profissão de fé), Let the Good Times Roll (com um solo de sax arrasador de Melvin Jackson), Rock me Baby, The Thrill Is Gone. Arruma o coletinho, simula que o coração está batendo mais forte por baixo do paletó.

Faz a ponte entre as músicas com histórias e "statements" sobre o universo das canções, como em See that my Grave is Kept Clean, na qual o organista James Toney parece carregar um pouco mais as tintas fúnebres e ele o "repreende" publicamente. "Tenho 84 anos, mas não estou morto", brinca, sacaneando os jornais que estariam ansiosos para escrever sobre a morte dele.

King não será nunca, no entanto, aquele entertainer dócil, submisso. Tem convicções muito arraigadas sobre orgulho, integridade, ética. "Houve um trompetista em New Orleans. Tinha a pele negra como a minha, olhos grandes como os meus. Eles o chamavam de Pops", conta, já no final do show, lembrando de um dos seus ídolos, Louis Armstrong. "Só não me chamem de Pops. Podem me chamar de papai, de velhote, mas não de Pops."

É de fato o Rei do Blues, um soberano reconhecido até pelos súditos mais honoráveis, como Buddy Guy (que, por seu turno, foi o influenciador de Hendrix). Recentemente, a revista Rolling Stone realizou uma daquelas listas "definitivas", com os 100 maiores guitarristas de todos os tempos. Ele é o terceiro da lista, abaixo apenas de Hendrix e Duane Allman (dos Allman Brothers).

Em conversa em seu camarim, ele responde com bom humor à questão-chave da mitologia bluesística: o que há de verdade naquela velha lenda sobre músicos de blues que fazem um pacto com o Demônio pelo sucesso: "Todos os demônios que conheci tinham duas pernas. Acredito que toda pessoa que se supera continuamente pode chegar aonde quer. Um jornalista pode se aperfeiçoar continuamente, um homem de negócios pode se aperfeiçoar. Eu tenho esse sonho de me manter sempre em crescimento."

Cajun turbinado. Durante mais de uma hora, após o show, recebeu os discípulos e "fiéis", como se fosse uma entidade religiosa que desce do seu Olimpo e vem confraternizar com os seguidores. Não faz forfait, recebe todo mundo, conversa, pergunta. "É uma pena que meu português não tenha evoluído, poderia ser mais fácil a comunicação com vocês", diz. Em suas mãos, o rock ganha fogo, o R&B ganha molejo, o blues ganha em pungência. Quando vai à matriz, ao som do Sul americano, mostra que nunca ficou exatamente parado no tempo - sua versão é como um cajun turbinado, um zydeco radioativo.

A peregrinação para ver a Lenda do Blues lotou não só o Bourbon, mas também o Via Funchal, onde tocaria na sexta. Daqui, ele vai para Buenos Aires, onde não se apresenta há 16 anos - o Ginásio Luna Park, onde tocará, também já está lotado. Provavelmente, em um ou dois anos, estará de volta, porque tem notável saúde e não toca mais para ganhar a vida, mas para tornar a nossa vida mais luminosa.

Por - Jotabê Medeiros, de O Estado de S. Paulo - O Estadao de S.Paulo

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